LGBTQIAP +Fobia

LGBTQIAP+FOBIA
COMO FORMA DE DISCRIMINAÇÃO

A LGBTFOBIA é o preconceito em virtude da identidade de gênero ou orientação sexual. Ela alcança, além da homofobia: lesbofobia (preconceito contra lésbicas), gayfobia (preconceito contra gays), bifobia (preconceito contra bissexuais); e transfobia (preconceito contra pessoas trans)” (Ministério dos Direitos Humanos, 2018, p. 18)

 

A discriminação e a violência contra pessoas da comunidade LGBTQIAP+ assumem proporções avassaladoras em todo mundo. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), a cada 19 horas, uma pessoa LGBT é morta no Brasil. Conforme a Rede Trans Brasil, a cada 26 horas, aproximadamente, uma pessoa trans é assassinada. A expectativa de vida dessas pessoas é de 35 anos (OLIVEIRA; MOTT, 2020). Muitas pesquisas demonstram que o índice de suicídio entre jovens LGBTQIAP+ é significativamente mais alto do que o da população em geral. Uma especificidade da discriminação contra a população LGBTQIAP+ , e que em parte explica os altos índices de ideação suicida, é a falta de acolhimento desse público nos espaços de formação da subjetividade, em especial o núcleo familiar e os ambientes educacionais. 

A discriminação contra esta população resulta de compreensões naturalizadas sobre o que seria um homem e uma mulher. Contudo, cada vez mais questiona-se a existência de um fundamento científico para essas naturalizações e cada vez mais discute-se o caráter cultural daquilo que se apresenta como “normal” ou “natural”. Fogem ao conceito (culturalmente construido) de “normal” corpos que não se enquadram na rubrica “masculino” ou “feminino” (como, por exemplo, os corpos intersexuais). Identidades de gênero não alinhadas com o gênero atribuído ao nascimento são consideradas um “desvio” (como, por exemplo, identidades transgêneras ou não binárias), nesta cultura LGBTQIAP+fóbica. Da mesma maneira, escapam à suposta “normalidade” orientações sexuais divergentes da heterossexual. 

O combate à LGBTQIAP+fobia exige, portanto, um esforço conjunto para a construção de uma cultura de não violência e de tolerância, com a promoção do respeito à diversidade e à igualdade. No que se refere ao espaço acadêmico, precisamos pensar a diversidade e a inclusão na medida em que “[…] muitas vezes, os preconceitos […] são reproduzidos nesse ambiente de maneira silenciosa e até mesmo explicitamente, fazendo com que a permanência de pessoas LGBT se torne um verdadeiro ato de resistência” (SANTOS, 2023, p. 4). 

No plano jurídico, não há norma nacional ou internacional específica de proteção da comunidade LGBTQIAP+, além das disposições genéricas que vedam a discriminação e a falta de isonomia jurídica. Contudo, diante desta omissão intolerável, os tribunais internacionais e nacionais vêm assumindo a liderança na garantia de direitos específicos dessa comunidade.

No âmbito do direito internacional, há apenas previsões genéricas de proteção contra a discriminação de qualquer tipo e não há convenção específica sobre o tema. Como exemplo, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (arts. 2 e 26) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (arts. 1.1 e 24) garantem o direito à igualdade de direitos e de tratamento de todas as pessoas por parte dos Estados, mas não tratam da vulnerabilidade específica dessa comunidade. Contudo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tratou diretamente desta questão: no Caso Karen Atala-RIffo vs. Chile, julgado em 2012, assegurou o direito à livre orientação sexual; e na Opinião Consultiva 24, emitida em 2017, estabeleceu a igualdade de direitos de todas as pessoas, independentemente da sua identidade de gênero e orientação sexual. Os dois precedentes estabelecem corolários muito concretos da afirmação desses direitos, tais como o direito à guarda e à adoção de filhos menores e o direito à alteração de registro civil independentemente de cirurgia de redesignação sexual. 

É importante destacar que, diante da inexistência de conferência específica sobre o tema, um grupo de especialistas reuniu-se em Yogyakarta, Indonésia, em 2006, para adotar, por unanimidade, os chamados “Princípios de Yogyakarta sobre Aplicação da Legislação Internacional de Direitos Humanos em relação à Orientação Sexual e Identidade de Gênero”, em especial o direito à igualdade e à não discriminação. Esses Princípios tornaram-se referência internacional no tema, influenciando inclusive os precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, acima mencionados, e até mesmo algumas decisões do STF.  Destacamos aqui o Princípio 3:

 

 

 

PRINCÍPIO 3

Direito ao reconhecimento perante a lei

Toda pessoa tem o direito de ser reconhecida, em qualquer lugar, como pessoa perante a lei. As pessoas de orientações sexuais e identidades de gênero diversas devem gozar de capacidade jurídica em todos os aspectos da vida. A orientação sexual e identidade de gênero autodefinidas por cada pessoa constituem parte essencial de sua personalidade e um dos aspectos mais básicos de sua autodeterminação, dignidade e liberdade. Nenhuma pessoa deverá ser forçada a se submeter a procedimentos médicos, inclusive cirurgia de mudança de sexo, esterilização ou terapia hormonal, como requisito para o reconhecimento legal de sua identidade de gênero. Nenhum status, como casamento ou status parental, pode ser invocado para evitar o reconhecimento legal da identidade de gênero de uma pessoa. Nenhuma pessoa deve ser submetida a pressões para esconder, reprimir ou negar sua orientação sexual ou identidade de gênero.

 

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu art. 3°, os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, entre eles o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e reitera, no art. 5°, caput. que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Não há menção expressa à liberdade de orientação sexual e ao direito à identidade de gênero. No entanto, uma interpretação sistemática e teleológica da Constituição Federal de 1988 permite a extensão da proteção constitucional a estes direitos. Ao longo dos últimos anos, o STF tem proferido decisões históricas no sentido de reconhecer os direitos dessa população. Em 2011, no julgamento conjunto da ADPF nº. 132 e da ADI nº. 4.277, o tribunal assegurou o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, atribuindo-lhe as mesmas regras e consequências jurídicas inerentes à união estável heterossexual. Em 2017, no julgamento do RE nº. 646.721, equiparou-se o regime sucessório entre cônjuges e companheiros em união estável homoafetiva. Em 2018, no julgamento da ADI nº. 4.275, reconheceu-se aos transgêneros o direito à substituição de prenome e sexo no registro civil, independentemente da cirurgia de transgenitalização ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes. Em 2019, no julgamento do MI nº. 4.733 e da ADO nº. 26, determinou-se a aplicação da tipificação constante da Lei nº. 7.716/1989, pertinente aos crimes de intolerância ou preconceito de raça, de cor, de etnia, de religião ou de procedência nacional, à discriminação por orientação sexual e/ou identidade de gênero, até que se elabore lei sobre o tema. Em 2020, no julgamento da ADPF nº. 457, declarou-se inconstitucional a lei municipal que proibia a divulgação de material sobre “ideologia de gênero” nas escolas. Nessa linha, também em 2020, no julgamento da ADPF nº. 461, entendeu-se ser inconstitucional a Lei municipal que veda o ensino sobre gênero e orientação sexual. Há ainda outras decisões importantes do STF na defesa dos direitos da comunidade LGBTQIAP+, como a que veda o uso do termo de Pederastia no Código Penal Militar e a que proíbe a restrição à doação de sangue por pessoas LGBTQIAP+. Esses julgamentos do STF acompanham a evolução da discussão sobre orientação sexual e identidade de gênero no Brasil, tanto no que se refere aos seus aspectos jurídicos, quanto aos psicológicos e sociais. Estamos longe de uma situação aceitável no que se refere à proteção da dignidade da população LGBTQIAP+ no país, mas as conquistas mencionadas acima são importantes. A partir das decisões do STF, inclusive, outras medidas jurídicas foram possíveis. Por exemplo, a Resolução nº. 175 (CNJ), de 14 de maio de 2013, dispõe sobre a habilitação, a celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas do mesmo sexo. A Lei nº. 13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão, determina em seu art. 18, § 4º, inciso VI, que as ações e os serviços de saúde pública destinados à pessoa com deficiência devem assegurar o respeito à especificidade, à identidade de gênero e à orientação sexual. O Decreto nº. 8.727, de 28 de abril de 2016, dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Entende-se como nome social a designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida. O ambiente acadêmico precisa ser transformador e libertador nesse aspecto; “de modo geral, boa parte dos ambientes educacionais ainda não estão preparados para lidar com as diferentes formas e expressões que a sexualidade assume” (SANTOS, 2023, p. 4). A tarefa é árdua.

 

 

 

SOBRE ORIENTAÇÃO SEXUAL

“Pessoas que têm sentimentos afetivos e atração sexual por outras pessoas com identidades de gênero diferente. Ou seja, alguém de identidade de gênero feminina que se relacione com outra pessoa de identidade de gênero masculina” (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 15)

Pessoas que relacionam-se afetiva e sexualmente com ambos os sexos, independentemente da identidade de gênero” (sic) (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 15).

Denominação específica para homens que, independentemente da identidade de gênero, relacionam-se afetiva e sexualmente com outros homens. Note que tanto faz se a pessoa é trans ou não, o que importa para esse conceito é a identidade de gênero, e não o sexo biológico. O que, obviamente, não impede que a pessoa sinta-se atraída exclusivamente por pessoas cisgêneras” (sic) (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 15).

Denominação específica para mulheres que relacionam-se, independentemente da identidade de gênero, afetiva e sexualmente com outras mulheres” (sic) (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 16).

São pessoas que podem desenvolver atração física, amor e desejo sexual por outras pessoas, independentemente de sua identidade de gênero ou sexo biológico” (sic) (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 16).

SOBRE IDENTIDADE DE GÊNERO

Pessoa que se identifica com o gênero igual ao do sexo de nascimento” (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 13).

Termo genérico que vale para qualquer pessoa que se identifique com um gênero diferente ao do sexo de nascimento. Por exemplo, Transexuais e travestis” (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 13).

Pessoas que nascem com o sexo biológico diferente do gênero com que se reconhecem. Essas pessoas desejam ser reconhecidas pelo gênero com o qual se identificam, sendo que o que determina se a pessoa é transexual é sua identidade, e não qualquer processo cirúrgico. Existem tanto homens trans quanto mulheres trans” (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 13).

É a pessoa do gênero feminino que, embora tenha sido designada como pertencente ao sexo/ gênero masculino ao nascer, muitas fazem uso de hormonioterapias, aplicações de silicone e/ou cirurgias plásticas, porém vale ressaltar que isso não é regra para todas” (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 13).

É a pessoa do gênero masculino que, embora tenha sido designada como pertencente ao sexo/gênero feminino ao nascer, muitos fazem uso de hormonioterapias e cirurgias plásticas, porém vale ressaltar que isso não é regra para todos” (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 13).

Uma construção de gênero feminino oposta ao sexo designado no nascimento, seguido de uma construção física, que se identifica na vida social, familiar, cultural e interpessoal, através dessa identidade. Muitas modificam seus corpos por meio de hormonioterapias, aplicações de silicone e/ou cirurgias plásticas, porém vale ressaltar que isso não é regra para todas” (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 13).

Termo usado para descrever pessoas que nascem com características sexuais biológicas que não se encaixam nas categorias típicas do sexo feminino ou masculino” (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 11).

A androginia não é uma doença e não tem relação com a orientação sexual. O termo “andrógeno” refere-se àquele ou àquela que tem características físicas e comportamentais de ambos os sexos, sejam elas masculinas (andro) ou femininas (gyne). Dessa forma, pode ser difícil definir o gênero apenas pela sua aparência física” (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 14).

Pessoa que não se identifica ou não se sente pertencente a nenhum gênero” (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 14).

Homens que esporadicamente usam roupas, maquiagem e acessórios culturalmente associados às mulheres. Tais homens se identificam como heterossexuais, geralmente, não tem o desejo de mudar o sexo ou viver o tempo todo como mulher” (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 14).

“Indivíduo que se veste com roupas com roupas do gênero oposto movido por questões artísticas” (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 14).

“Transformistas” são personagens criados por artistas performáticos que se travestem, fantasiando-se cômica ou exageradamente com o intuito geralmente profissional artístico. Chama-se drag queen a pessoa que se veste com roupas exageradas femininas estilizadas e drag king a pessoa que se veste como homem. A transformação em drag queen (ou king) geralmente envolve, por parte do artista, a criação de um personagem caracteristicamente cômico e/ou exagerado, que por trás carrega um discurso crítico-político transformador. Tanto drag queens como drag kings podem ter qualquer gênero e orientação sexual, e sê-lo não é indicativo de se ser homossexual, assexual, pansexual, bissexual ou heterossexual” (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 14).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAGLEY, Christopher; TREMBLAY, Pierre. Elevated rates of suicidal behavior in gay, lesbian, and bisexual youth. The Journal of Crisis Intervention and Suicide Prevention, Vol. 21(3), 2000, 111-117. DOI: 10.1027//0227-5910.21.3.111. 

MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS. Manual orientador sobre Direitos Humanos. Brasília, DF, 2018. 

OLIVEIRA, José Marcelo Domingos de; MOTT, Luiz. Mortes violentas de LGBT+ no Brasil – 2019: Relatório do Grupo Gay da Bahia. 1. ed. Salvador: Editora Grupo Gay da Bahia, 2020. 

REARDON, Sara. Massive Study Finds No Single Genetic Cause of Same-Sex Sexual Behavior. Site Scientific American, 29 ago. 2019. Disponível em: https://www.scientificamerican.com/article/massive-study-finds-no-single-genetic-cause-of-same-sex-sexual-behavior/. Acesso em: 05 abr. 2023. 

SANTOS, Jailson Batista dos. A condição de ser LGBT e a permanência na universidade: um estudo de caso no curso de pedagogia – educação do campo. Site Nepes (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Sociedade), 29 jul. 2016, 10h58. Disponível em: https://www.ufpb.br/nepes/contents/documentos/trabalhos-publicados-em-anais/a-condicao-de-ser-lgbt-e-a-permanencia-na-universidade-um-estudo-de-caso-no-cuso-de-pedagogia-educacao-do-campo.pdf. Acesso em: 17 fev. 2023.