Racismo

RACISMO
COMO FORMA DE DISCRIMINAÇÃO

A Constituição Federal de 1988, em artigo 5º, caput, determina que todas as pessoas são iguais, sem distinção de qualquer natureza. Diversas Convenções Internacionais de que o Brasil é signatário, como a Convenção da ONU para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Convenção Interamericana contra toda forma de preconceito e intolerância, também condenam a prática de racismo e estabelecem a obrigação dos Estados de prevenir, investigar e punir o ato que caracterizar o racismo.

Contudo, o racismo continua sendo estrutura fundante da nossa sociedade. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 56% dos brasileiros se autodeclaram negros, sendo que as mulheres negras representam quase 28% do total da população (JORNAL NACIONAL, 2022). Apesar de ser a maioria da população, dificilmente encontramos negros e negras em espaços de poder. Essa invisibilidade faz-se presente em diversos campos sociais e culturais, em que o apagamento da história e da cultura negra é notável. Ademais, entre as diversas formas de violências, quando evidenciadas por uma análise interseccional, nota-se que homens e mulheres negras e afro LGBTQIAP+ são os principais expostos às maiores violações de direitos humanos. 

Para compreender os impactos do racismo dentro da sociedade brasileira, é necessária uma análise que saia da esfera individual, ou seja, do sujeito que diretamente pratica o crime de racismo contra uma pessoa ou um grupo social específico. É preciso enxergar o racismo como uma relação de poder. Assim, para analisar a presença majoritária de brancos em lugares de tomadas de decisão, tanto no público quanto no privado, na política, na educação, no mercado de trabalho formalizado e, por outro lado, a ausência de negros e indígenas nesses espaços, é fundamental entender processos históricos e de construção social que utilizaram e utilizam o racismo para estruturar os diversos formatos de relações na sociedade. Assim, a crença em uma supremacia racial deve ser vista como sistêmica e estrutural e, portanto, está presente na esfera do direito, da economia, da saúde, do meio ambiente, dos espaços de lazer (ALMEIDA, 2019). 

No ambiente universitário, por exemplo, a discriminação racial é visibilizada pela ausência de pessoas negras em lugares de tomada de decisão, no corpo docente e no discente. Se por um lado a Lei de cotas raciais (Lei nº. 12.711/2012) colaborou para o aumento do percentual de pessoas negras e indígenas no ambiente acadêmico, por outro, a taxa de evasão é maior no caso de alunos negros (MURÇA, 2020; ALMA PRETA, 2020), especialmente em razão da dificuldade financeira em permanecer em uma universidade e em encontrar um emprego. Ademais, dentro das leituras indicadas na academia, é notável a ausência de textos escritos por pessoas negras e indígenas, o que demonstra o epistemicídio e o apagamento racial, até mesmo em um ambiente que busca a pluralidade e a diversidade. Tal resultado é fruto de um processo que dificulta o acesso de negros e indígenas no ensino superior, já que os critérios de participação na universidade são excludentes, como também a construção dos cursos universitários. 

Cabe também ressaltar que, mesmo após a conclusão no ensino superior, a população negra permanece enfrentando a desigualdade estrutural no mercado de trabalho. Segundo a PNAD Contínua 2019, nesse ano, brancos ganhavam cerca de 73,4% mais do que a população preta ou parda. No caso das pessoas com ensino superior, a diferença de rendimento-hora era de R$ 33,90 contra R$ 23,50, ou seja, 44,3% a mais para brancos (SARAIVA, 2020). 

Em busca de uma sociedade onde todos possuam as mesmas formas de acesso, e pela redução das desigualdades, políticas públicas precisam ser construídas com o propósito de diminuir a discrepância social entre os diversos grupos. Nesse contexto, destaca-se a luta dos movimentos sociais, a qual busca uma efetiva participação democrática colocando a necessidade de priorizar o racismo nas agendas políticas. Como resultado direto dessas ações, cabe mencionar a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Correlata, ou Conferência de Durban, que ocorreu em 2001, e que se destaca pelos debates em torno da necessidade de reconhecer os efeitos da colonização e da escravidão, e pela necessidade de reparação histórica para buscar combater o racismo, como por exemplo por meio da adoção de ações afirmativas (NAÇÕES UNIDAS, 2001). 

Também é preciso pontuar Leis que visam combater o racismo em cenários diversos, como a Lei Caó (Lei nº. 7.716/1989), que criminaliza a discriminação racial; a Lei nº. 10.639/2003, que estabelece diretrizes para tornar o estudo da história e da cultura indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio obrigatório; o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº. 12.288/2010); a já citada Lei de Cotas para o ensino superior, Lei nº 12.711/2012, e a Lei nº 12.990/2014, que reserva 20% das vagas nos concursos públicos para negros. 

Cabe destacar a recém ratificada e promulgada Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e as Formas Correlatas de Intolerância, que, de forma pioneira, define o que é discriminação racial, discriminação racial indireta, discriminação múltipla ou agravada, racismo e intolerância. Como foi recepcionada com status de emenda constitucional no Brasil, obedecendo ao rito previsto no art. 5, §3º da Constituição Federal de 1988, é um instrumento de suma importância para o aprimoramento da legislação brasileira, para a elaboração de políticas públicas para a população negra, para os povos indígenas e outros grupos étnico-raciais, indo muito além das suas antecessoras no combate à discriminação racial. Conforme descrito no art. 1 do texto, define-se discriminação racial e racismo como:

“Racismo consiste em qualquer teoria, doutrina, ideologia ou conjunto de ideias que enunciam um vínculo causal entre as características fenotípicas ou genotípicas de indivíduos ou grupos e seus traços intelectuais, culturais e de personalidade, inclusive o falso conceito de superioridade racial. O racismo ocasiona desigualdades raciais e a noção de que as relações discriminatórias entre grupos são moral e cientificamente justificadas. Toda teoria, doutrina, ideologia e conjunto de ideias racistas descritas neste artigo são cientificamente falsas, moralmente censuráveis, socialmente injustas e contrárias aos princípios fundamentais do Direito Internacional e, portanto, perturbam gravemente a paz e a segurança internacional, sendo, dessa maneira, condenadas pelos Estados Partes”

(CONVENÇÃO INTERAMERICANA CONTRA O RACISMO, A DISCRIMINAÇÃO RACIAL E FORMAS CORRELATAS DE INTOLERÂNCIA, art. 1o).

O citado instrumento também dispõe sobre a importância de uma reparação justa para as vítimas do racismo. Nesse ponto, cada vez mais as Nações Unidas têm se manifestado a favor de políticas com esse objetivo, conforme destacado na agenda transformadora do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), como forma de instar os Estados a combater o racismo sistêmico (NAÇÕES UNIDAS, 2022). 

Há um longo percurso para diminuir de forma eficiente as consequências do racismo. A utilização do arcabouço jurídico acima auxilia nesse processo, mas não é suficiente para mudar as estruturas sociais. Visibilizar o racismo e construir políticas públicas sólidas com esse propósito são ferramentas essenciais no combate a todas as formas de discriminação racial.

COMO O RACISMO OPERA

É o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do preconceito racial, uma atitude que combina estereótipos racistas, falta de atenção e ignorância. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações” (CRI, 2006, p. 22).

“o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural” (ALMEIDA, 2019, p. 33).

“quando apenas, ou em grande medida, […] autores brancos defensores do sistema ocupem os currículos das nossas universidades. Maior parte de autores brancos, cada vez mais com autoras brancas, mas ainda em menor medida que autores brancos. Isso reflete um pouco a nossa universidade branca que tem em grande maioria professores homens brancos, mas também com grande número de mulheres brancas, e poucos são, pouquíssimos são os homens negros, e, em menor medida ainda, mulheres negras. Por isso, nosso currículo é eurocentrado, ocidentalizado, capitalista, moderno, e racista, sobretudo” (MORAES, 2020, p. 2).

“[…] conjunto de ideias e práticas das sociedades e seus governos, que aceitam a degradação ambiental e humana, com a justificativa da busca do desenvolvimento e com a naturalização implícita da inferioridade de determinados segmentos da população afetados – negros, índios, migrantes, extrativistas, pescadores, trabalhadores pobres, que sofrem os impactos negativos do crescimento econômico e a quem é imputado o sacrifício em prol de um benefício para os demais” (HERCULANO, 2016, p. 11).

VOCÊ SABIA?

Foi publicada no Diário Oficial, no dia 14/09/2022, a Lei nº. 9.852/2022, que amplia até 2081 a reserva de 20% das vagas em concursos públicos do estado do Rio de Janeiro para negros e indígenas.

No Habeas Corpus no. 154.248, o STF entendeu que o crime de injúria racial é imprescritível, equiparando-se, ao crime de racismo, conforme estabelecido no art. 5o, inciso XLII, da Constituição Federal de 1988.

O Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, estabelecido pela ONU em memória do massacre de Shaperville, ocorreu em 21 de março de 1960, na África do Sul. Durante um protesto pacífico, o exército abriu fogo contra os manifestantes, resultando na trágica morte de 69 pessoas.

3 de julho é comemorado o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial, data da primeira Lei contra o racismo no Brasil, que estabelecia como contravenção penal qualquer prática resultante de preconceito por raça ou cor.

REPENSE SEU VOCABULÁRIO

EM VEZ DE FALAR

“a coisa tá preta”

“denegrir”

“inveja branca”

“humor negro”

“não sou sua nega”

“nhaca”

“trabalho de preto”

“programa de índio”

“tribo”

“mulata”

“você tem um pé na cozinha”

“preto de alma branca”

SUBSTITUA POR

“a coisa está complicada”

“difamar”

“inveja”

“humor ácido”

“fale comigo repeitosamente”

“cheiro ruim”

“trabalho”

“programa desinteressante”

povo; nação

“Simplesmente não fale!”

“Simplesmente não fale!”

“Simplesmente não fale!”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMA PRETA. Na pandemia, 94 mil estudantes negros deixam a universidade por dificuldades financeiras. Site Yahoo, s./d. 

Disponível em: https://esportes.yahoo.com/noticias/na-pandemia-94-mil-estudantes-negros-deixam-a-universidade-por-dificuldades-financeiras-164620916.html?guccounter=1.  Acesso em: 17 fev. 2023. 

ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo, Sueli Carneiro: Pólen, 2019. 264p. 

BAHIA. Dicionário de expressões (anti)racistas: e como eliminar as microagressões do cotidiano. Defensoria Pública do estado da Bahia. 1ª. ed. Salvador: ESDEP, 2021. 30p. Disponível em: http://www.defensoria.ba.def.br/wp-content/uploads/2021/11/sanitize_231121-125536.pdf. Acesso em: 05 abr. 2023. 

BRASIL. Decreto nº 10.932, de 10 de janeiro de 2022. Promulga a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, firmado pela República Federativa do Brasil, na Guatemala, em 5 de junho de 2013. Brasília, DF, 2022. 

BRASIL. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Brasília, DF, 2012. 

CRI. Articulação para o Combate ao Racismo Institucional. Identificação e abordagem do racismo institucional. Brasília: CRI, 2006. 

HERCULANO, S. Lá como cá: conflito, injustiça e racismo ambiental. I Seminário Cearense Contra o Racismo Ambiental. Fortaleza: Ceará, 2006. 

MORAES, Wallace de. Racismo epistêmico, colonialidade do saber, epistemicídio e historicídio. Disponível em: https://otal.ifcs.ufrj.br/racismo-epistemico-colonialidade-do-saber-epistemicidio-e-historicidio/. Acesso em: 23 mar. 2023. 

MURÇA, Giovana. Por que os estudantes negros são os mais afetados pela pandemia? Site Quero Bolsa, 20 nov. 2020. Disponível em: https://querobolsa.com.br/revista/por-que-os-estudantes-negros-sao-os-mais-afetados-pela-pandemia. Acesso em: 16 fev. 2023. 

NAÇÕES UNIDAS. Declaração e plano de ação de Durban (2001). Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/150033-declaracao-e-plano-de-acao-de-durban-2001. Acesso em: 16 fev. 2023. 

NAÇÕES UNIDAS. Rede da ONU reafirma compromissos das Nações Unidas contra racismo sistêmico. Site Nações Unidas Brasil. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/175441-rede-da-onu-reafirma-compromissos-das-nacoes-unidas-contra-racismo-sistemico. Acesso em: 16 fev. 2023. 

SARAIVA, Adriana. Trabalho, renda e moradia: desigualdades entre brancos e pretos ou pardos persistem no país. Site Agência de Notícias IBGE. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/29433-trabalho-renda-e-moradia-desigualdades-entre-brancos-e-pretos-ou-pardos-persistem-no-pais. Acesso em 16 fev. 2023.