Sexismo

SEXISMO
COMO FORMA DE DISCRIMINAÇÃO

O artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, garante a igualdade de direitos entre homens e mulheres e impede qualquer forma de discriminação baseada no sexo. Da mesma forma, muitas convenções internacionais, tais como a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (“Convenção de Belém do Pará”), também estabelecem a obrigação dos Estados de garantirem às mulheres o livre e pleno exercício de direitos que lhes são assegurados, sem discriminação de qualquer tipo.

Apesar das garantias jurídicas, uma pesquisa realizada pelo Instituto Avon e pela Data Popular em 2015 constatou que entre as universitárias entrevistadas, 67% afirmaram já ter sofrido algum tipo de violência (sexual, psicológica, moral ou física) praticada por um homem no ambiente universitário: 56% já sofreram assédio sexual; 28% já sofreram violência sexual (estupro, tentativa de abuso enquanto estava sob efeito de álcool, toque sem consentimento, beijo forçado em um veterano); 42% já sentiram medo de sofrer violência no ambiente universitário; 36% já deixaram de fazer alguma atividade na universidade por medo de sofrer violência (INSTITUTO AVON; DATA POPULAR, 2015, p. 1-2). Da mesma forma, um levantamento feito pelo Intercept em 2019 demonstra a ausência de interesse das universidades em coibir o assédio. A reportagem indica que, desde 2008, pelo menos 556 mulheres, entre estudantes, professoras e funcionárias, foram vítimas de algum tipo de violência em instituições de ensino superior, e dentro dessas violências encontram-se o assédio sexual, a agressão física e/ou psicológica e o estupro, que ocorrem dentro do próprio ambiente universitário. Quase 80% dos crimes aconteceram no campus (SAYURI; SICURO, 2019, p. 3). 

A discriminação baseada no gênero é um fenômeno complexo e estrutural que conforma, em maior ou menor medida, relações interpessoais e práticas institucionais. Há dimensões pessoais e estruturais do modo de operação da discriminação baseadas no gênero, que para os nossos fins também podem ser chamadas de sexismo.

DEFINIÇÃO DE SEXISMO

Um dos pontos importantes trazidos por teóricas e por movimentos sociais é o da rediscussão das fronteiras entre o visível e o invisível na esfera pública. A naturalização de práticas violentas nas relações interpessoais com marcas de gênero dá-se também por meio da construção artificial de espaços privados, ainda que em ambientes públicos. Dessa forma, um assédio sexual de um professor contra uma aluna, ou de um superior hierárquico contra uma funcionária, por exemplo, é simbolicamente apresentado como um flerte e colocado, portanto, como um tema privado, que não diz respeito a ninguém mais, além das duas pessoas envolvidas. A privatização de relações, em nossa sociedade, funciona frequentemente como um manto invisibilizador, ou seja, como interações que não dizem respeito ao escrutínio coletivo, ainda que envolvam violência. 

Os esforços dos estudos de gênero e dos movimentos feministas direcionam-se para a criação de vocabulário e de repertórios de práticas que permitam a desnaturalização destas formas de discriminação e a imaginação de outras formas de interação não violentas.

 

VOCABULÁRIO FEMINISTA

No que se refere a ambientes acadêmicos ou de trabalho, as formas de discriminação de gênero usualmente assumem o caráter de assédio sexual ou moral. Assim, assédio sexual constitui um mecanismo fundamental por meio do qual se garante a reprodução cotidiana de uma forma de privilégio masculino no ambiente acadêmico. Devemos entendê-lo como parte de um conjunto de práticas que se apoia tanto na assimetria de poder típica das relações acadêmicas e das relações de trabalho que existem no contexto universitário (professor e alunas, superiores e subordinadas, respectivamente) quanto no caráter sistêmico da discriminação de gênero. Essas assimetrias evidentemente não começam nem terminam no ambiente acadêmico; são afetadas por outras estruturas de poder, como as baseadas em raça e classe. 

Diante do caráter sistêmico e insistente do assédio na vida das mulheres, aumentado pela recorrente insuficiência ou inadequação das respostas institucionais às eventuais denúncias realizadas, a subnotificação é também um dos aspectos do problema. No contexto universitário, muitas vítimas são constrangidas a escolher entre tolerar os comportamentos inadequados ou correr o risco de ser prejudicada em seu currículo acadêmico, afetando suas chances profissionais futuras. É recorrente a tentativa de desqualificação do relato de vítimas, a alegação de insuficiência de provas, ou a crítica a um retrógrado “moralismo” de denúncias de assédio, dentre outras formas de reação sexista à denúncia de assédio praticado. Entender a complexidade e os desdobramentos do assédio é tarefa urgente.

No Brasil, temos uma legislação abundante que pode ser aplicada a diferentes situações de violência contra a mulher. Além da Lei Maria da Penha (Lei no 11.340, de 2006), ressaltamos a tipificação do feminicídio como uma qualificadora do homicídio (Lei no 13.104, de 2015), e a lei dos crimes de assédio sexual (Lei no 10.224, de 2001), e a de importunação sexual (Lei no 13.718, de 2018), já apresentadas na introdução desta cartilha.

Embora haja divergência na doutrina sobre a abrangência do assédio sexual no campo das relações de trabalho, o entendimento dominante do Superior Tribunal de Justiça é o de que o(a) professor(a) exerce ascendência em relação aos estudantes, decorrente da função de magistério. Desse modo, o professor que objetiva se prevalecer da sua autoridade em relação à aluna, com o intuito de obter vantagens sexuais, poderá responder pelo crime de assédio sexual:

Insere-se no tipo penal de assédio sexual a conduta de professor que, em ambiente de sala de aula, aproxima-se de aluna e, com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, […] pois o vínculo de confiança e admiração criado entre aluno e mestre implica inegável superioridade, capaz de alterar o ânimo da pessoa constrangida. (SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Recurso Especial nº 1.759.135, 2019, p. 1).

Assim, tanto a importunação sexual quanto o assédio sexual são práticas que podem acontecer no ambiente acadêmico. A principal diferença entre essas condutas aplicadas nesse 13 contexto é se o agente se valeu da sua posição de superioridade (cargo ou função) para constranger a vítima (JORIO, 2021).

 o agente se valeu da sua posição de superioridade (cargo ou função) para constranger a vítima (JORIO, 2021).

VOCÊ SABIA?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

INSTITUTO AVON; DATA POPULAR. Violência contra a mulher no ambiente universitário. São Paulo: Instituto Avon; Data Popular, 2015. (SAYURI; SICURO, 2019, p. 3). 

CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso Guzmán Albarracín y otras Vs. Ecuador. San José, Costa Rica, 2020. EIGI. Sexism at work. Site Europen Institute for Gender Equality, s./d. Disponível em: https://eige.europa.eu/publications/sexism-at-work- handbook/part-1-understand/what-sexism. Acesso em: 01 mar.2023. 

JORIO, Israel Domingos. Crimes Sexuais. 3°. ed. São Paulo: Jus Podvim, 2021. 

LOURENÇO, Beatriz. Dicionário feminista: conheça termos importantes para o movimento. Site Revista Galileu, 14 mar. 2020. 

Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2020/03/dicionario-feminista- conheca-termos-importantes-para-o-movimento.html. 

Acesso em: 03 jan. 2023. PAIGE, Sweet. The sociology of gaslighting. American Sociological Review, v. 84, n. 5, p. 851-875, 2019