Capacitismo

CAPACITISMO
COMO FORMA DE DISCRIMINAÇÃO

A exclusão e a marginalização das pessoas com deficiência são frutos de uma longa trajetória histórica de opressão e de estigmatização, que sempre negligenciou a efetiva inclusão em razão de uma estrutura social construída a partir do que seria considerado corpo “normal”, ou seja, aquele sem necessidades especiais, enquanto a pessoa com deficiência seria o corpo desviante, a ser corrigido. Geralmente, a infantilização ou a inferiorização das pessoas com “não normais” descortinam a normalização dos corpos e dos comportamentos a partir de uma norma social que considera somente as pessoas produtivas de acordo com parâmetros socialmente impostos. No entanto, a diversidade humana impõe a convivência com a pluralidade e diferenças a partir das quais somos capazes de construir trajetórias e narrativas únicas por meio do diálogo, da empatia e do respeito às diversas competências. Assim como nas questões de gênero e raciais, a discriminação em relação às pessoas deficientes é algo que deve ser fortemente combatida por força de diversos comandos constitucionais e infraconstitucionais.

Define-se como “capacitismo” a constante desvalorização e desqualificação das pessoas com necessidades especiais, com base no preconceito em relação à sua capacidade corporal e/ou cognitiva. O termo “capacitismo” foi cunhado em 1991 e significa a discriminação e o preconceito contra as pessoas com deficiência. Essa prática consiste em tratar as pessoas “não normais” de forma desigual, baseada na equivocada crença de que elas seriam menos aptas às tarefas do cotidiano (ACADEMIA BRASILEIRA, 2023).

Talvez o Capacitismo seja o conceito que você menos conheça em relação à discriminação de grupos minorizados. Caracterizados como segmentos sociais, étnicos, gêneros ou outros, que independente da quantidade, possuem baixa representação política, social, econômica, eles também são nomeados, minorias e grupos minoritários (sic). (FOGGETTI, 2022, p. 2).

O reconhecimento social e jurídico das pessoas estigmatizadas descortina a superação do modelo puramente médico, no qual considerava apenas o deficiente como um corpo com lesão por meio de um diagnóstico, em que o sujeito deveria ser “consertado”, “reparado”. O modelo social, atualmente adotado pela Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência e pela Lei Brasileira de Inclusão, encampa a lógica a partir da qual a deficiência é um problema de toda a sociedade, e não apenas uma questão individual; eis que a obrigação de superação das barreiras socialmente impostas é da coletividade. Nessa linha, inclusive, considera-se pessoa com necessidades especiais aquela pessoa que tem:

 

“[…] impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E SEU PROTOCOLO FACULTATIVO, ART. 1; ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, art. 2º).

A avaliação da pessoa com deficiência deve, portanto, ser biopsicossocial e realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, que deverá considerar os impedimentos nas funções estruturais do corpo, os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais, a limitação no desempenho de atividades e a restrição de participação (ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, art. 2º, § 1º). 

A Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), internalizada no direito brasileiro com status de emenda constitucional, por meio do Decreto nº. 6.949/2009, reconhece em seu preâmbulo que a “[…] discriminação contra qualquer pessoa, por motivo de deficiência, configura violação da dignidade e do valor inerente ao ser humano” (CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E SEU PROTOCOLO FACULTATIVO, h). Para os propósitos da referida Convenção, em seu art. 2º, é definida a discriminação por motivo de deficiência como:

 

 

 

 

[…] qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável (CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E SEU PROTOCOLO FACULTATIVO, art. 2º).

O princípio da não discriminação é um dos comandos centrais da CDPD e impõe como obrigação aos Estados Partes, no art. 4º, 1, a promoção e a garantia do pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com necessidades especiais, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência, inclusive com o dever de tomar as medidas apropriadas para eliminar a depreciação baseada em sua “não normalidade”, por parte de qualquer pessoa, organização ou empresa privada. 

Com o objetivo de cumprir as diretrizes da Convenção, foi promulgada a Lei nº. 13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão ou Estatuto da Pessoa com Deficiência, que determina a inclusão da pessoa deficientes e o exercício de sua cidadania. No art. 4º, a Lei impõe que toda pessoa “não normal” tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não deve sofrer espécie alguma de intolerância. Nos termos da lei, considera-se discriminação em razão desse estigma:

 

 

 

 

“[…] toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas” (ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, art. 4º, § 1º).

A Lei estabelece que as barreiras são “qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros” (ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, art. 3º, IV).

VOCÊ SABIA?

Barreiras atitudinais são “atitudes que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas” (ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, art. 3º, IV, E). 

Desse modo, em busca de uma sociedade mais inclusiva e igualitária, diversas leis foram promulgadas com o objetivo de superar os obstáculos impostos às pessoas com deficiência, de modo a permitir uma participação efetiva e em igualdade

 

 de oportunidades com as demais pessoas. Essas ações têm como objetivo evitar a discriminação e a violência física, psicológica e patrimonial que esse grupo vulnerável geralmente sofre.

Os casos de suspeita ou de confirmação de violência praticada contra pessoa com deficiência devem ser compulsoriamente notificados pelos serviços de saúde públicos e privados à autoridade policial e ao Ministério Público, bem como aos Conselhos dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Considera-se violência contra a pessoa com deficiência, para fins de aplicação da LBI, qualquer ação ou omissão, praticada em local público ou privado, que lhe cause morte ou dano ou sofrimento físico ou psicológico (ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, art. 26, PARÁGRAFO ÚNICO).

A Lei nº. 8.213, de 24 de julho de 1991, conhecida também como Lei de Cotas, estabeleceu em seu art. 93 que a empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas (LEI DE COTAS, art. 93).

A Lei nº. 8.899, de 29 de junho de 1994, concede passe livre às pessoas com deficiência no sistema de transporte coletivo interestadual (LEI nº 8.899).

A vivência de pessoas com necessidades especiais, a partir dos olhares capacitistas, é intensificada pelo preconceito e reforça crenças limitantes, em espaços sociais, políticos, institucionais e, especialmente, acadêmicos. Nesse sentido, é necessário se pensar em um ambiente universitário inclusivo, que preze pela acessibilidade, pois “a ética do cuidado deve atravessar os planejamentos, os projetos pedagógicos, a elaboração dos currículos, os eventos etc., independentemente de haver estudantes com deficiência” (UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA, 2022, p. 14).

A inclusão no ensino superior é uma demanda crescente dos estudantes com um estigma, que são de diversas matrizes socioculturais e que expressam distintas necessidades. Nesse sentido, a Lei Brasileira de Inclusão impõe que o acesso à educação superior deve ser em igualdade de oportunidades e de condições com as demais pessoas, bem como deve ocorrer a inclusão em conteúdos curriculares de temas relacionados à pessoa com deficiência nos respectivos campos de conhecimento (ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, art. 28, XII, XIV). 

Por isso, permanece como um desafio para a comunidade universitária as barreiras à acessibilidade. Nesse sentido, algumas atitudes e comportamentos que refletem o capacitismo estrutural no espaço acadêmico podem ser percebidas, como o

[…] compartilhamento de imagem sem descrição (muitas delas informativas e instrutivas), editais (internos e externos) sem apoio de libras para anunciar o direito às pessoas surdas desde a porta de acesso à instituição, softwares e aplicativos com barreiras para a autonomia de profissionais, acadêmicos e visitantes, os quais não contemplam, por exemplo, a experiência da cegueira, daltonismo, dislexia, autismo, surdez (UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA, 2022, p. 18).

São imprescindíveis a necessidade de formação continuada do corpo docente e de funcionários e a promoção de ações de sensibilização e de enfrentamento ao preconceito e à discriminação cotidiana. Ademais, os serviços de apoio devem ser ampliados e diversificados no espaço universitário de maneira a promover oportunidades de socialização, autonomia dos estudantes e combate ao capacitismo. A partir desse cenário, a Universidade destaca-se como um espaço de exercício de cidadania e de inclusão a partir da diversidade. 

No ambiente universitário, é fundamental fomentar um espaço acolhedor e representativo, onde todos do corpo docente, discente e administrativo se sintam à vontade para ser quem são, na busca pela eliminação de todas as formas de preconceito nas relações cotidianas e para vivermos em um mundo mais igualitário e inclusivo.

 

 

 

 

O QUE A LEI DIZ

Nos processos seletivos para ingresso e permanência nos cursos oferecidos pelas instituições de ensino superior e de educação profissional e tecnológica, públicas e privadas, devem ser adotadas as seguintes medidas:

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACADEMIA BRASILEIRA. Capacitismo. Site Academia Brasileira, s./d. Disponível em: https://www.academia.org.br/nossa-lingua/nova-palavra/capacitismo. Acesso em 16 fev. 2023.

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília, DF, 2015.

BRASIL. Lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016. Altera a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, para dispor sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnico de nível médio e superior das instituições federais de ensino. Brasília, DF, 2012.

BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Brasília, DF, 2009.

BRASIL. Lei nº 8.899, de 29 de junho de 1994. Concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo interestadual. Brasília, DF, 1994.

FOGGETTI, Fernanda. Capacitismo: o que é, exemplos, consequências e como combater. Site Hand Talk, 01 dez. 2022. Disponível em: https://www.handtalk.me/br/blog/capacitismo/#:~:text=A%20palavra%20%E2%80%9Ccapacitismo%E2%80%9D%20significa%20a,em%20virtude%20de%20suas%20defici%C3%AAncias. Acesso em: 16 fev. 2023.

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Guia para práticas anticapacitistas na Universidade. Site Educa Diversidade, 2022. Disponível em: https://educadiversidade.unesp.br/wp-content/uploads/2022/12/Guia-para-praticas-anticapacitistas-na-Universidade-V3-2.pdf. Acesso em: 16 fev. 2023